Fabio F Chaim Advogados

Direito penal: o que é, tipos e princípios

Falar de direito penal é necessariamente falar da necessidade de regulação da vivência em sociedade. Quando se constata que os demais meios de controle se tornam ineficazes para atingir a paz social, essa missão é atribuída ao direito penal para, assim, resolver as desarmonias do convívio em sociedade e estabelecer as sanções aplicáveis a cada violação.

Na visão de Zaffaroni, é possível atribuir à expressão direito penal tanto o conjunto de leis, a legislação penal propriamente dita, ou ainda o sistema de interpretação dessa legislação, ou seja, o saber da matéria.

Nessa concepção, entendemos o direito penal em pelo menos duas acepções, onde a primeira enxerga a matéria tão somente como a própria lei em si e a segunda tudo aquilo que viabiliza a aplicação prática dessa mesma lei. Neste artigo, trabalharemos essencialmente as noções introdutórias dessa segunda concepção.

O que é direito penal?

O direito penal é um sistema de normas jurídicas que regulam o poder de punir do Estado, estabelecendo por pressupostos o crime como fato e uma pena como consequência.

Muitas são as definições doutrinárias para o que seria o termo. Umas mais amplas, outras mais sucintas, mas o que todas apontam como eixo central para o conceito de direito penal é que este seria a sistematização das normas que regulam o poder punitivo do Estado.

As premissas para a existência desse poder seriam a existência de um fato definido como um crime, que é atribuída uma consequência, e que tal consequência jurídica seja um direito subjetivo do bem comum, representado pelo Estado.

Ou seja, a partir do momento que um indivíduo cometa determinado fato, e este fato esteja previamente (veremos adiante as razões) definido como crime, surge para o Estado o seu direito subjetivo, o ius puniendi, efetivamente aplicando essa sanção prevista.

É interessante observar que no direito penal as questões reguladas não dialogam tão somente com questões privadas. Ou seja, não só com relações particulares do sujeito, mas também com as decorrências dessas ações na vida em sociedade. Por tal razão, o direito penal é matéria pertencente ao ramo de Direito Público.

Citações sobre o conceito de direito penal

Para firmar conhecimentos, trouxe duas citações sobre o conceito de direito penal. No primeiro deles, ensina Damásio de Jesus:

Quando o sujeito pratica um delito, estabelece-se uma relação jurídica entre ele e o Estado. Surge o jus puniendi, que é o direito que tem o Estado de atuar sobre os delinquentes na defesa da sociedade contra o crime. Sob outro aspecto, o violador da norma penal tem o direito de liberdade, que consiste em não ser punido fora dos casos previstos pelas leis estabelecidas pelos órgãos competentes e a obrigação de não impedir a aplicação das sanções.

Na visão de Guilherme Nucci, conceitua-se o direito penal da seguinte forma:

É o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação. Embora a sua definição se concentre nos limites do poder punitivo, significando um enfoque voltado ao direito penal Democrático, não se há de olvidar constituir o ramo mais rígido do Direito, prevendo-se as mais graves sanções viáveis para o ser humano, como é o caso da privação da liberdade.”

Assim, visualizamos em essência o direito penal como um todo. Um macrossistema de regulação da vida em sociedade, um mecanismo que estabelece as condutas que são consideradas lesivas, com suas consequentes sanções aplicáveis, bem como regula o próprio exercício estatal desse poder de punir.

Funções do direito penal

Não é difícil imaginar que na vida coletiva os conflitos surgem e, na maior parte das vezes, é possível encontrar soluções conciliadoras para as situações. No entanto, em alguns momentos esses conflitos evoluem e de alguma forma acabam por lesionar bens jurídicos essenciais.

É neste momento que verificamos a necessidade da proteção estatal e esta se consubstancia por meio do direito penal.

Bens jurídicos essenciais

Quando falamos de bens jurídicos essenciais, falamos sobre aqueles que se revelam imprescindíveis para a continuidade da vida em sociedade. Assim, notamos primariamente a vida, a liberdade, a saúde, ou a propriedade.

Nas palavras do doutrinador Cézar Roberto Bitencourt:

Sob essa perspectiva, os bens jurídicos coletivos (por exemplo, a paz pública ou a saúde pública) somente serão admitidos como objeto de proteção pelo direito penal, na medida em que possam ser funcionais ao indivíduo. Dessa forma, o direito penal abarcaria essencialmente delitos de resultado e delitos de perigo que representassem uma grave ameaça para a incolumidade de bens jurídicos individuais,operando como um limite claro e preciso do âmbito de incidência do poder punitivo do Estado.

Logo, quando se verifica que determinada conduta atinge um desses bens jurídicos, é necessária a intervenção do direito penal para que, por meio de uma sanção previamente estabelecida, busque apaziguar e solucionar a questão de modo a corrigir e desestimular a prática do comportamento indesejado.

Bitencourt acrescenta:

Quando as infrações aos direitos e interesses do indivíduo assumem determinadas proporções, e os demais meios de controle social mostram-se insuficientes ou ineficazes para harmonizar o convívio social, surge o direito penal com sua natureza peculiar de meio de controle social formalizado, procurando resolver conflitos e suturando eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens.

Dessa forma, podemos concluir pela função preventiva do direito penal, que por meio de uma sanção criminal, previne a reiteração de condutas criminosas no meio social e protege a comunidade das transgressões que eventualmente lesionam bens jurídicos essenciais à manutenção da vida em harmonia.

No Brasil, essa sanção criminal pode aparecer de formas distintas. A mais severa delas é a pena privativa de liberdade, mas existe ainda a pena restritiva de direitos e a multa (pecuniária) penal.

Ademais, é possível ainda que se aplique penas de medida de segurança de internação para tratamento de réus condenados que, em regra, tenham transtornos mentais.

Princípios do direito penal

A questão principiológica no direito penal, assim como nos demais ramos, é de importante relevância, na medida em que são a base de sustentação de toda a construção legal. Dedicaremos em breve tópico para tratar apenas dessa temática, mas, no entanto, de maneira introdutória.

É preciso consignar que os princípios podem ou não se mostrarem positivados (previstos expressamente na lei), mas sua importância não está tão somente ligada a essa questão.

Princípio da intervenção mínima

Se falarmos do princípio da intervenção mínima, não o encontraremos ratificado em texto legal. Isso, aliás, seria um contra senso, haja vista o seu próprio significado.

Pelo princípio da intervenção mínima, compreendemos o direito penal como a ultima ratio. Ou seja, quando esgotados todos os meios possíveis fora do direito ou mesmo em outras áreas, ele assume o protagonismo da proteção dos bens jurídicos que tratamos no tópico anterior.

Princípio da legalidade

De outro lado, o princípio da legalidade (ou reserva legal) consta positivado expressamente na Constituição Federal (Artigo 5º, XXXIX) bem como no Código Penal (Artigo 1°).

O princípio da legalidade nos trás a segurança jurídica necessária aos cidadãos, de modo que uma conduta só passará a ser considerada crime através de lei que a defina. Por isso, não é possível penalizar sem prévia cominação legal.

Nos termos do Código Penal:

Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

Neste ponto, cabe ressaltar que, como decorrente do princípio da legalidade, surge ainda o princípio da anterioridade da lei, que observa o direito penal no tempo e preconiza que a lei penal só retroage em benefício do réu, nunca em seu prejuízo.

Tal princípio também se encontra positivado no ordenamento. Vejamos o artigo 5º, XL da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”

Princípio da humanidade da pena

Neste ponto, merece especial atenção o princípio da humanidade da pena.

Se temos o direito penal como um sistema capaz de estabelecer sanções, é de interesse da sociedade que essas sanções sejam, além de adequadas para a repreensão da conduta eventualmente praticada, que não sejam um instrumento de vingança. Tal princípio decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Outros princípios

Há, por óbvio, inúmeros outros princípios relacionados ao tema, mas isso é assunto para uma próxima conversa.

Convém destacar aqui, ainda, os seguintes princípios:

  • princípio da insignificância, que em síntese preconiza que apenas bens jurídicos relevantes devem ser protegidos;
  • da adequação social, que prevê que condutas adequadas socialmente não devem ser objetos de reprimenda estatal;
  • e o princípio da culpabilidade, que estabelece o dolo (intenção) ou a culpa (imperícia, negligência ou imprudência) como pressupostos da responsabilização penal. Ou seja, sem dolo ou culpa, não há culpabilidade, logo não há responsabilidade penal.

Direito Penal ou Direito Criminal?

Esta é uma questão menor no dia a dia de advogados e advogadas no que diz respeito a qual nomenclatura utilizar. Em regra, os dois termos são sinônimos e a aplicação de uma ou de outra não incorreria necessariamente em erro. No entanto, cotidianamente no direito brasileiro utiliza-se a expressão direito penal para se referir a matéria.

No entanto, é curioso observar que, embora quanto a matéria seja comum nos referirmos como direito penal, nos referimos ao profissional do direito que atua nesta área como advogado criminalista com mais naturalidade. Outras atuações dentro da área de estudo também adotam a expressão, como é o caso da perícia criminal.

Doutrina sobre o tema

A doutrina moderna faz essa diferenciação entre direito penal e direito criminal:

A denominação direito penal é mais tradicional no direito contemporâneo, com larga utilização, especialmente nos países ocidentais. Direito Criminal também foi uma terminologia de grande aplicação, especialmente no século passado; hoje se encontra em desuso, com exceção dos anglo-saxões, que preferem a expressão criminal law. Durante sua evolução foram sugeridas outras denominações que, contudo, não obtiveram a preferência doutrinária nem foram adotadas pelos ordenamentos positivos das nações desenvolvidas.

Guilherme Nucci também trata da questão:

Para vários autores, há diferença entre direito penal e direito criminal, sendo este abrangente daquele, porque daria enfoque ao crime e suas consequências jurídicas, enquanto aquele seria mais voltado ao estudo da punição. Assim não nos parece e tudo não passa de uma opção terminológica. Já tivemos, no Brasil, um Código Criminal (1830), mas depois passamos a denominar o corpo de normas jurídicas voltados ao combate à criminalidade como Código Penal (1890 e 1940). O mesmo ocorre em outros países, havendo ora a opção pela denominação de direito criminal (v.g., Grã-Bretanha), ora de direito penal (v.g., Itália, França, Espanha).

Há ainda o fato da própria nomenclatura aplicada em nosso Código Penal, que naturalmente nos remete ao estudo de um direito penal. Assim, temos habitualmente e por construção doutrinária o uso dessa expressão.

O que faz um advogado especialista em direito penal

É comum observarmos que o advogado ou advogada criminalista, em linhas gerais, atua comumente na defesa dos direitos de particulares, advogando em sua defesa. Nesta função, sua principal tarefa é atuar em prol da justa aplicação da lei, buscando absorver ou abrandar sanções, dentro dos limites legais e éticos aplicáveis.

No entanto, além dessa função, que podemos considerar como a típica do advogado criminalista, cresce cada vez mais a atuação preventiva, principalmente dentro de empresas (compliance) e em especial àquelas que prestam serviços ao poder público, ante as inúmeras possibilidades de responsabilização de seus sócios em casos de eventuais irregularidades.

Não menos comum, é a também a figura daquele que, para fins didáticos, vamos chamar de “advogado de acusação”. Isso acontece quando o advogado criminalista atua na defesa do interesse de vítimas de crime, seja pela eventual inércia do Ministério Público em propor a ação penal, ou ainda em ações penais privadas.

Naturalmente, inúmeras outras possibilidades de atuação ao advogado criminalista, e não pretendemos aqui esgotá-las, apenas trazer um parâmetro que sirva de norte para o leitor.

Principais dúvidas sobre direito penal

O que é Direito Penal?

O direito penal é um sistema de normas jurídicas que regulam o poder de punir do Estado, estabelecendo por pressupostos o crime como fato e uma pena como consequência. É uma norma pertencente ao ramo do Direito Público, onde, a partir da violação da norma, surge o poder de punir.

Qual é a função do Direito Penal?

O Direito Penal possui uma função, que por meio de uma sanção criminal, previne a reiteração de condutas criminosas no meio social e protege a comunidade das transgressões que eventualmente lesionam bens jurídicos essenciais à manutenção da vida em harmonia.

Qual a diferença entre Direito Penal e Direito Criminal?

Em regra, os dois termos são sinônimos e a aplicação de uma ou de outra não incorreria necessariamente em erro. No entanto, cotidianamente no direito brasileiro utiliza-se a expressão direito penal para se referir a matéria.

Resumo do conteúdo

Portanto, podemos entender o direito penal como um instrumento legal não direcionado em essência à punição, e sim para controlar o poder do Estado de punir.

Através dos sistemas do direito penal, podemos estabelecer os caminhos legais que as autoridades devem seguir para viabilizar o efetivo exercício deste poder, que é sem sombra de dúvidas um instrumento necessário para a proteção dos bens jurídicos que a sociedade tutela.

Concluímos, ainda, que quão mais efetivos forem os meios iniciais de controle social, menor será a intervenção do direito penal, que deve sempre se pautar pela subsidiariedade. Ou seja, uma força secundária quando não efetivos os demais caminhos buscados pela sociedade.

A figura da pessoa advogada criminalista é essencial nesta área, de modo que denunciar os abusos realizados pelo próprio detentor do poder de punir é função essencial deste profissional.

Referências utilizadas neste conteúdo

  •  ZAFFARONI, Eugenio. Manual de Derecho Penal, 6ª ed., Buenos Aires, Ediar, 1991.
  • JESUS, Damásio de. Parte geral / Damásio de Jesus; atualização André Estefam. Direito penal vol. 1, 37. ed. – São Paulo, Saraiva Educação, 2020.
  • NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 16. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
  • BITTENCOURT, Cezar Roberto Parte geral / Cezar Roberto Bitencourt. Coleção Tratado de Direito Penal – volume 1 – 26. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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