CRIME DE FURTO – TRATAMENTO JURÍDICO.
No artigo de hoje falarei a respeito do crime de furto, ou seja, do tratamento jurídico oferecido nas mais diversas fases da persecução penal (inquérito, processo, recursos e execução penal).
O crime de furto está previsto no artigo 155 do Código Penal, sendo composto da subtração de coisa alheia móvel sem violência ou grave ameaça. O delito possui uma forma simples, com pena de um a quatro anos de reclusão e multa, e uma forma qualificada, com pena de dois a oito anos de reclusão e multa (abuso de confiança, escalada, rompimento de obstáculo, uso de chave falsa, mais de um autor). Existe, também, uma forma qualificada derivada do emprego de explosivo (quatro a dez anos de reclusão e multa) e outra relacionada com o delito ser praticado em ambiente digital (quatro a oito anos de reclusão e multa).
Além disso, existem diversas causas de aumento de pena que podem afetar não apenas sua duração, mas também a dinâmica a respeito de quais benefícios podem ser oferecidos antes, durante e ao final do processo.
A análise do tratamento jurídico, a ser realizada a seguir, leva em consideração um acusado primário (sem condenação anterior transitada em julgado) e a prática do delito de forma isolada, sem outros crimes.
PRISÃO EM FLAGRANTE.
A prisão em flagrante delito implica no encaminhamento do preso ao distrito policial, oportunidade em que será realizado o procedimento previsto em lei, com o registro de toda a documentação, oitiva de quem realizou a prisão (condutor), da vítima e de testemunhas, e o interrogatório do acusado.
Com relação ao interrogatório, o preso tem o direito ao silêncio e de ser acompanhado por advogado. Qualquer pressão para que fale a respeito do crime ou confesse a sua prática pode caracterizar abuso de autoridade e até mesmo tortura. A confissão deverá ser considerada somente na hipótese de que exista a possibilidade concreta (e o interesse) para a celebração de Acordo de Não Persecução Penal, em momento posterior. A confissão em fase policial não reduz a pena.
No caso da forma simples de furto, existe a possibilidade da concessão de liberdade provisória ainda na delegacia, mediante o pagamento de fiança.
Nas demais formas de furto, o preso é encaminhado para a carceragem, sendo submetido a uma audiência de custódia em até 24 horas.
Na audiência de custódia é analisada a legalidade da prisão, bem como a possibilidade de que o preso responda em liberdade. Caso presentes os requisitos legais da liberdade provisória, ela poderá ser concedida com ou sem o arbitramento de fiança. Neste momento não são analisadas questões de mérito e nem proferida sentença, visto que o caso ainda está em fase de investigação.
INQUÉRITO POLICIAL.
As investigações criminais possuem prioridades de tramitação, sendo as principais relacionadas com delitos violentos/hediondos ou que exista alguém preso. O crime de furto, considerada sua natureza não violenta, não costuma ser tratado como prioridade.
Ao longo da tramitação do inquérito serão produzidas diversas provas, sendo o investigado ouvido ao menos uma vez. O depoimento segue as mesmas orientações a respeito da prisão em flagrante, havendo direito ao silêncio e ao acompanhamento por advogado. Qualquer pressão que busque a colaboração ou confissão pode ser interpretada como abuso de autoridade e tortura. A confissão somente é recomendada caso exista interesse em posterior Acordo de Não Persecução Penal ou risco de prisão preventiva, hipótese em que a colaboração pode ser interpretada como argumento favorável para a manutenção da liberdade. A confissão, neste momento, não reduz eventual pena.
O crime de furto, em sua forma simples ou qualificada (exceção para o uso de explosivo), permite a celebração de Acordo de Não Persecução Penal, em que o investigado confessa o crime, aceita indenizar a vítima (caso o valor do prejuízo esteja estabelecido) e assume cumprir uma pena alternativa (ex. serviço comunitário), com duração reduzida. A vantagem, além da sanção reduzida, é a ausência de processo e condenação, preservando a primariedade. O acordo pode ser oferecido, também, durante o processo.
Observa-se que benefícios como composição civil de danos ou transação penal não podem ser aplicados para furto, eis que ambas as formas do delito (simples e qualificada) não se enquadram como infrações de menor potencial ofensivo.
Por fim, ao longo do inquérito podem ser formulados pedidos como a concessão de liberdade provisória e o Habeas Corpus. O caráter não hediondo, ou violento, do crime de furto implica na maior possibilidade de que estejam presentes os requisitos legais para que o investigado responda em liberdade.
PROCESSO.
O processo criminal se inicia pelo oferecimento de denúncia por parte do titular da ação penal para o crime de furto (Promotor de Justiça). Esta denúncia não pode ser confundida com o termo utilizado no senso comum, ou seja, quando alguém reporta a prática de um crime. O sentido, aqui adotado, é o do documento que inicia a ação penal.
No caso da forma simples do delito, existe a possibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo. Neste benefício, a ação fica suspensa pelo período de dois a quatro anos, em que o acusado deve se submeter a algumas condições, geralmente envolvendo o recolhimento noturno e aos finais de semana, bem como o comparecimento periódico ao fórum. Ao final e cumprido os requisitos, o processo é extinto sem julgamento, preservando a primariedade do acusado.
Caso o processo seja instruído e proferida sentença condenatória, o crime de furto permite a aplicação de três benefícios, a dependerem do total de pena aplicada.
O primeiro deles é a aplicação de regime semiaberto ou aberto. O regime semiaberto implica na liberdade durante o dia e o recolhimento noturno ao estabelecimento penal. No caso de regime aberto, costuma se aplicar regras similares ao do livramento condicional.
O segundo é a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos, geralmente na forma de serviços comunitários e prestação pecuniária, que não pode ser confundida com a pena de multa diretamente prevista para o furto. A pena de multa e a prestação pecuniária são sanções diferentes e ambas devem ser cumpridas, caso aplicadas na pena.
Por fim, existe a possibilidade de suspensão do cumprimento da pena, pelo período de dois a quatro anos, em que o acusado deve se submeter a diversas regras. Ao final a pena é extinta. Esta forma de suspensão não pode ser confundida com aquela prevista para o processo, abordada no item anterior.
RECURSOS.
Ao final do processo será proferida uma sentença, da qual as partes (acusação e defesa) poderão ingressar com recurso de apelação, hipótese em que pedem ao Tribunal que o caso seja reanalisado.
O recurso delimita a matéria a ser reanalisada, devendo conter todas as razões da insurgência, com base na prova dos autos, legislação, doutrina do direito criminal e em outras decisões existentes para casos similares (jurisprudência). O teor do recurso não pode ser complementado posteriormente.
Acusados pelo crime de furto possuem acesso à via recursal, bem como podem ter seus interesses contrapostos por recurso da acusação, que vise reverter uma absolvição ou aumentar a pena, no caso de condenação. Desta forma, se observa que a sentença de primeira instância, mesmo que absolva o acusado, não encerra automaticamente o caso, devendo se manter uma postura diligente no acompanhamento do processo até o seu trânsito em julgado, evitando surpresas.
Existe, também, a possibilidade do ingresso de recursos específicos nos Tribunais Superiores (STJ e STF), com requisitos rígidos para sua admissibilidade. Novamente se observa a necessidade de uma postura diligente no acompanhamento processual, eis que decisão favorável em recurso de apelação não encerra, necessariamente, o processo.
EXECUÇÃO PENAL.
Ao final do processo e encerrada eventual via recursal, a sentença transita em julgado e, possuindo um caráter condenatório, é iniciado o cumprimento da pena aplicada.
O caráter não violento do crime de furto, bem como as penas previstas, implica na possibilidade de aplicação de regime semiaberto ou aberto para o cumprimento da pena, a conversão em penas alternativas e a suspensão do seu cumprimento (acima abordado).
O tempo de prisão preventiva conta como pena cumprida.
Ao final da suspensão da pena ou do seu cumprimento o processo de execução penal é extinto, devendo o apontamento ser removido das certidões do condenado.
O crime de furto, considerando seu caráter não violento, costuma ser beneficiado pelo indulto natalino, devendo ser monitorado em face da edição anual do referente Decreto, no intuito de se constatar se o apenado tem direito a redução da pena ou sua extinção.
Observa-se, também, que condenados por furto estão sujeitos aos efeitos da sentença condenatória, sendo os principais deles a suspensão dos direitos políticos e restrições para o acesso a cargos, obtidos por concurso público.
Por fim, depois de dois anos da extinção da execução penal, o apenado pode requerer a sua reabilitação criminal, oportunidade em que o Estado reconhece expressamente a sua ressocialização. Isto é particularmente importante quando o egresso possui dificuldades para o retorno ao mercado de trabalho, o que é comum para a presença de apontamentos por crimes patrimoniais.
CONCLUSÃO.
No artigo de hoje abordei o crime de furto, as penas estabelecidas e o que esperar do tratamento jurídico oferecido nas mais diversas fases da persecução penal (inquérito, processos, recursos e execução penal).
As considerações aqui trazidas são apenas um resumo, existindo diversas questões que precisam ser analisadas no caso concreto, motivo pelo qual é altamente recomendável a constituição de uma representação profissional experiente, de qualidade e comprometida com o caso, trabalhando por um desfecho favorável, bem como mantendo o cliente (e sua família) informados a respeito do andamento das investigações e processo, permitindo maior tranquilidade neste momento delicado de suas vidas.
(Texto original – escrito e postado em 14/10/2024)