Fabio F Chaim Advogados

O Direito Penal como alternativa para a indenização de vítimas de acidentes de trânsito.

O DIREITO PENAL COMO ALTERNATIVA PARA A INDENIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO.

 

INTRODUÇÃO.

 

O Direito Penal é um ramo das ciências jurídicas a que estamos todos expostos, no papel de autor ou vítima de eventual conduta ilícita.

Acidentes de trânsito, em particular, são um evento da vida cotidiana em que questões criminais se relacionam com aspectos cíveis e administrativos do ato, podendo ser utilizadas no intuito de buscar um provimento favorável aos interesses da vítima.

Observo, ao longo dos anos de prática profissional, que vítimas de acidente de trânsito possuem como prioridade o ressarcimento dos prejuízos sofridos (morais e materiais), sendo a punição criminal do responsável algo secundário, principalmente nos casos de menor gravidade.

No artigo de hoje, falarei um pouco a respeito de como o direito penal pode colaborar para o ressarcimento dos prejuízos experimentados pelas vítimas de acidentes de trânsito.

 

COMO A VÍTIMA PODE BUSCAR A INDENIZAÇÃO?

 

Existem diversos mecanismos pelos quais a vítima pode ser ressarcida dos prejuízos experimentados em decorrência de acidente automotivo.

O principal deles é o ingresso de ação indenizatória de natureza cível. Neste caso, a vítima estará exposta ao trâmite específico do rito processual aplicável ao caso, com a demora característica do ciclo de citação, contraditório, produção de provas, recursos e cumprimento de sentença. A depender da complexidade do caso, carga de trabalho do cartório e do valor de causa envolvido, o processo pode demorar anos até um eventual desfecho favorável. Por fim, há que se considerar a existência de custas processuais na maioria dos processos cíveis.

O direito penal consegue ajudar de duas maneiras.

A primeira é “emprestando” no processo cível provas produzidas na esfera criminal, como laudos médicos/periciais, depoimentos, manifestações das autoridades envolvidas (Delegado, Promotor e Juiz), sentenças e acórdãos (fase recursal).

A segunda é a execução de eventual sentença penal condenatória transitada em julgado, a chamada ação civil ex delicto. Neste caso, não se discute a existência do dever indenizatório (incontroverso pela condenação criminal), mas apenas o quanto deve ser indenizado, o que resulta numa tramitação processual mais rápida. Porém, há que se considerar a demora entre o início das investigações e o trânsito em julgado da condenação, requisito para o manuseio desta alternativa, bem como a existência de mecanismos legais que evitam o próprio processo criminal (ex. transação penal). Sem processo criminal não há sentença condenatória. Sem sentença condenatória, não existe título executivo necessário ao manuseio da ação civil ex delicto.

A atuação profissional na esfera criminal acaba tendo como objetivo evitar o arquivamento das investigações, juntando documentos, produzindo provas favoráveis a pretensão indenizatória e usando mecanismos legais capazes de contribuir positivamente para o resultado pretendido, o que pode incluir eventual condenação criminal do autor da conduta, mas dela não depende.

 

UMA NOVA OPÇÃO NA ESFERA CRIMINAL.

 

Com o advento da Lei 13.964/2019, que introduziu o artigo 28-A no Código de Processo Penal, vítimas de acidentes de trânsito passaram a ter mais uma opção para o ressarcimento dos seus prejuízos.

 

Trata-se do acordo de não persecução penal.

 

No caso de acidentes de trânsito de menor gravidade, caso o autor confesse a prática da conduta ilícita e se comprometa a ressarcir os prejuízos da vítima, o Promotor de Justiça poderá oferecer um acordo capaz de evitar o início da ação criminal e eventual condenação, preservando a primariedade do acusado.

 

Para que este acordo produza os efeitos desejados é necessário que a vítima, preferencialmente assistida por um advogado, comprove o valor total e a extensão dos prejuízos sofridos. Nesta direção, é importante levar em conta que a pretensão indenizatória na esfera criminal deve ser tratada de forma moderada e acompanhada de ampla documentação comprobatória, caso contrário este interesse pode parecer como enriquecimento sem causa, possuindo eventual efeito negativo sobre todos os aspectos do caso. Ademais, caso a vítima não comprove a extensão dos seus prejuízos, o acordo pode ser oferecido sem a necessidade de ressarcimento, que deverá ser cobrado em processo indenizatório autônomo, com todas as limitações acima mencionadas.

 

A vantagem do acordo indenizatório celebrado na esfera criminal está em sua executividade.

 

Acordos de natureza cível, porventura descumpridos, podem resultar em movimentos de penhora e bloqueio de contas bancárias, a dependerem das condições financeiras do executado, ou seja, se ele possui bens em seu nome e valores disponíveis em banco.

 

Por sua vez, o descumprimento de acordo de não persecução penal, incluindo o não pagamento da indenização nele fixada, resulta na continuidade do feito, com eventual oferecimento de denúncia e possível condenação criminal. O risco da perda da primariedade do acusado, com todos os efeitos negativos na vida civil (ex. empregabilidade, direitos políticos, e/ou concursos públicos) acaba sendo um incentivo maior ao pagamento da indenização do que a possibilidade de penhora de bens ou de contas bancárias.

 

Não bastando, o descumprimento do acordo, que resulte em processo e condenação criminal, ainda gera o dever de indenizar, executável dentro dos termos anteriormente mencionados, ou seja, inexistindo vantagem ao autor da conduta em atrasar o pagamento ou descumprir os seus termos.

 

Colocado de forma resumida, o acordo indenizatório na esfera criminal é mais eficaz aos interesses indenizatórios da vítima, eis que mais sérias as consequências do seu descumprimento.

 

CONCLUSÃO

 

O direito penal é um mecanismo que pode contribuir de maneira eficaz para as pretensões indenizatórias de vítimas de acidentes de trânsito, desde que manuseado de maneira profissional, realista e em conjunto com os demais ramos do direito.

 

O acordo de não persecução penal é um instrumento de justiça restaurativa criado para oferecer solução alternativa ao encarceramento, com a possibilidade de participação da vítima e fixação de indenização antes mesmo do processo criminal e de forma independente ao ajuizamento de processo cível.

 

O manuseio dos diversos instrumentos disponíveis ao advogado deve ser realizado em conjunto com a realidade concreta do problema jurídico apresentado e as pretensões do cliente, buscando uma solução rápida e realista para a satisfação dos seus interesses.

 

Por fim, observa-se como papel do profissional do direito o conhecimento de todos os mecanismos disponíveis a cada caso, ainda que isso implique na troca de uma longa pretensão punitivista por uma rápida satisfação indenizatória, permitindo que as partes resolvam a questão de forma não litigiosa (sem processo), com a retomada da situação jurídica anterior à prática do ato ilícito (status quo ante) e a redução da sobrecarga de processos em andamento no Poder Judiciário.

 

(escrito em 01/10/2024 – todos os direitos reservados)

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